Conhecimento e criatividade são bens valiosos, e que em conjunto podem se tornar algo lucrativo e visado.
Para garantir a segurança de inventores, existe a propriedade intelectual (PI). Ela tem sido desafiada pela ascensão da inteligência artificial (AI) e capacidade das máquinas de criar de forma autônoma.
Nesse texto, vamos abordar o conceito de PI, os tipos e benefícios, além de entender o impacto da AI e responder: quem detém a propriedade intelectual de criações feitas de forma independente por uma máquina?
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O que é propriedade intelectual?
A propriedade intelectual é uma área do direito responsável por garantir, através de leis e boas práticas, que o conhecimento seja um bem privado e protegido.
Para a World Intellectual Property Organization (WIPO), a “propriedade intelectual é relacionada às criações da mente, tais como invenções; trabalhos literários e artísticos; designs; símbolos, nomes e imagens usadas para fins comerciais.”
A WIPO é uma agência independente e que tem a missão de liderar a criação de modelos de PI que garantam a inovação para o bem de todos e também a proteção jurídica para o inventor.
Tipos de propriedade intelectual
Para a WIPO, a PI pode ser dividida em duas categorias: propriedade industrial e direitos autorais; já a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual prefere agrupar em três ramos:
A propriedade industrial é regulamentada pela Lei nº 9.279/96 e abrange patentes, marcas, desenhos industriais e indicação geográfica (IG). Ela engloba atividades industriais tanto de empresas, quanto de indivíduos; e assegura ao dono a exclusividade para fabricar, comercializar, importar, usar e vender a invenção.
Alguns exemplos são:
- Máquinas e equipamentos
- Produtos químicos e farmacêuticos
- Compostos alimentares
- Logotipos
- Nomes de produtos
- Nomes de empresas
A lei nº 9.610/98 garante os direitos autorais de obras intelectuais, incluindo livros, músicas, fotografias, softwares, filmes, documentários, eventos, etc; ou seja, tudo que seja referente à trabalhos artísticos, literários e arquitetônicos.
Os direitos autorais podem ser divididos em duas frentes: direito do autor e direito conexo.
Por exemplo, no caso da criação de uma obra literária e de sua interpretação no teatro. O direito em relação à obra original é do autor, e a interpretação dela por outra pessoa, e em outra forma, é considerada um direito conexo.
Este modelo é considerado um “híbrido jurídico”. É uma figura intermediária entre a propriedade industrial e os direitos autorais, e inclui:
- Topografia de circuito integrado, conforme explicado na Lei nº 11.484, que explica os incentivos às indústrias de equipamentos para TV Digital e de componentes eletrônicos.
- O cultivar, que consiste na reprodução ou multiplicação vegetativa de uma planta.
- Conhecimento tradicional associado à recursos genéticos, de acordo com a Convenção sobre Diversidade Biológica e do decreto nº 2.519.
Propriedade intelectual para produtos de tecnologia
O software é caracterizado como um direito autoral pela Lei nº 9.609/98, popularmente conhecida como “Lei do Software”.
A lei fala especificamente sobre a proteção da propriedade intelectual e comercialização de programas de computador, além de estabelecer que eles sejam protegidos da mesma maneira que obras literárias.
Nesse caso, o registro do código fonte do software deve ser feito no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), e sua validade é de cinquenta anos.
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Órgãos regulamentadores no Brasil
A regulamentação da propriedade intelectual envolve várias organizações, leis e regras.
No Brasil, o INPI é o principal órgão responsável por registros de marcas e concessão de patentes. No entanto, o INPI é exclusivo para o ramo de propriedade industrial — salvo algumas exceções, como o caso dos softwares.
Para direitos autorais existem órgãos específicos, de acordo com o tipo de obra:
- Biblioteca Nacional: realiza o registro de produções literárias, artísticas, científicas e musicais
- Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro: registro de projetos de artes visuais, como desenhos, gravuras, pinturas, etc
- Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA): mapas, projetos arquitetônicos, cartas geográficas, etc
Acordos e leis sobre propriedade intelectual
O Brasil faz parte do Acordo sobre Aspectos do Direito de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips, a sigla em inglês), que foi criado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), e determina o padrão de proteção de propriedade intelectual.
Todos os países participantes são obrigados a garantir que as leis nacionais estejam de acordo com o padrão estabelecido no Trips.
A Lei nº 9.279/1996 regulamenta a propriedade intelectual (PI) no Brasil.
Impacto da inteligência artificial na PI
A inteligência artificial impacta diversas áreas, por causa de sua alta capacidade de interpretação de dados.
A tendência é que ela siga transformando a maneira que trabalhamos e vivemos, além de afetar cadeias de produção e distribuição, como já tem feito com a educação, saúde e economia.
Para o setor de propriedade intelectual, o principal desafio é a evolução do aprendizado da máquina (machine learning), que permite que algoritmos capazes de evoluir ensinem a máquina sobre quais ações realizar.
Esse aprendizado de máquina faz com que um programa torne-se inteligente ao ponto de conseguir criar determinadas coisas, como textos e pinturas.
Veja os exemplos:
O programa GPT-3 consegue criar textos diversos e até letras de músicas. O modelo foi desenvolvido pela OpenAI, através de deep learning, uma das técnicas mais avançadas de machine learning.
O humano precisa apenas alimentar um prompt com instruções iniciais e o GPT-3 faz o resto do trabalho.
A Ai-Da é um robô ultra-realístico de inteligência artificial e é considerada uma artista.
Ela é capaz de fazer desenhos abstratos, esculturas e também retratos, já que possui câmeras em seus olhos que em conjunto com algoritmos de AI, processam a imagem e comandam os braços robóticos para desenhar.
Para a WIPO, o principal questionamento sobre a propriedade intelectual de obras como as citadas acima é em relação à criatividade.
Uma máquina de inteligência artificial é criativa? É possível considerar a Ai-Da como idealizadora, sendo que ela mesma é uma criação?
Outro exemplo interessante é o projeto The Next Rembrandt, que usou inteligência artificial para analisar pinturas originais do artista e criar uma nova com padrões do pintor original.
O processo foi o seguinte:
- Coleta de dados sobre as obras de Rembrandt
- Determinação de padrões
- Geração de modelos com base nas fases anteriores
- Criação da pintura final
Como é a Lei Brasileira de Propriedade Intelectual?
Por padrão, a propriedade intelectual engloba criações da mente humana, e a lei brasileira determina que uma pessoa física seja autora de uma obra. Sendo assim, uma máquina não pode ser detentora de direitos autorais.
Esse tópico é bastante polêmico.
Em tese, sem direitos autorais, a obra criada por uma inteligência artificial fica desprotegida e passa a ser de domínio público, o que não é atrativo para empresas que investem no desenvolvimento da tecnologia.
Se não houver direitos autorais para a empresa desenvolvedora da inteligência artificial poder lucrar de alguma forma, não há estímulo para a criação de novas tecnologias.
Possível solução: alterar a legislação para que os direitos autorais de trabalhos de cunho literário, artísticos e etc, sejam dados ao criador da inteligência artificial responsável pelo resultado final.
Benefícios do uso de AI em propriedade intelectual
A inteligência artificial é também uma aliada de órgãos regulamentadores de propriedade intelectual.
A WIPO tem explorado o uso de AI para agilizar o processo de registro de patentes, e também pretende usar a tecnologia na busca em base de dados, por meio do reconhecimento de fotos, padrões, etc.
Para Francis Gurry, ex-diretor geral da WIPO, o volume de solicitações é o principal fator de incentivo ao uso de inteligência artificial na administração de propriedade intelectual. Ele acredita que ferramentas de AI aumentam a qualidade do processo.
Apesar dos desafios e complexidade que a inteligência artificial pode trazer para a propriedade intelectual, essa é uma discussão necessária e urgente. A AI seguirá evoluindo, e as leis e regras precisam ser adequadas à realidade de um mundo tecnológico.
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